A adoração substituta |
por Michelson Borges
Na Antiguidade, à medida que se afastava do Éden, a humanidade se distanciava também de seu Criador. Mas, como foram feitas por Ele e para Ele (Cl 1:16), as pessoas tinham dentro de si um vazio, um senso de transcendência que precisava ser satisfeito. Os que continuaram servindo e adorando o Deus verdadeiro desfrutavam a vida que Ele idealizou, completos nEle. Mas e os outros, os que deram as costas ao Senhor ou simplesmente não O conheciam? Buscaram paliativos para o vazio do coração. E assim surgiram os deuses criados à imagem e semelhança dos homens. Aconteceu com os babilônios, os egípcios, os gregos, os astecas, e outros povos. Mas hoje é diferente. Vivemos em uma sociedade secularizada, iluminada, desdeificada. Será mesmo? O fato é que o desejo intrínseco de adorar (algo ou alguém) permanece entranhado na natureza humana. Alguns se idolatram. Outros idolatram o poder, as riquezas, o prazer. Outros, ainda, adoram ídolos humanos alçados ao estrelado pela mídia. Mas e quanto aos deuses? Será que se extinguiram de todo? Estariam mortos, mais ou menos como na descrição feita pelo filósofo Friedrich Nietzsche da religião de seu tempo? Não. Os deuses ainda estão por aqui. E dispõem de uma grande máquina de propaganda para arrebanhar novos fieis e pregar sua religião.
Hollywood e sua religião
A pregação dessa nova religião e desses novos deuses é feita de modo geral pela indústria cultural e, mais específica e eficazmente, por Hollywood, afinal, ela “praticamente monopolizou o mercado de cinema internacional”, conforme constatou Eric Hobsbawn, em seu livro Era dos Extremos.
Mas “Hollywood adotou a religião de maneira errada. Não é cristianismo, budismo, hinduísmo, judaísmo ou islamismo. É uma mistura de elementos daqui e dali: um pouco de reencarnação, uma pitada de espiritismo, um toque de ocultismo, uma insinuação de Bíblia, uma boa dose de misticismo oriental, uma grande porção de filosofia de autoajuda e sinta-se bem. Tudo isso é combinado em pacotes de filmes altamente emocionais e populares. E Hollywood está pregando a sua religião com mais energia do que muitas igrejas pregam a religião delas”, constatou Gary Krause, em artigo publicado na revistaSinais dos Tempos de setembro-outubro de 2003.
De fato, a doutrina hollywoodiana pode ser agrupada em três grandes áreas: espiritismo, secularismo e evolucionismo. É bastante fácil se lembrar de produções mais ou menos recentes que têm como pano de fundo uma ou mais dessas ideologias. No comecinho dos anos 1990, foi “Ghost, do outro lado da vida”, com seu espiritismo meloso e uma Demi Moore novinha que encantaram multidões. Depois disso vieram produções ainda mais espiritamente explícitas, a começar pelos títulos: “Ghost whisperer”, “Médium”, “Sobrenatural”, “Sexto sentido”, etc. Sem contar os voltados para crianças e adolescentes, como “Harry Potter” e “Crepúsculo”, exemplos de uma onda avassaladora que percorreu o mundo popularizando a bruxaria e o vampirismo.
Já o secularismo (grosso modo, a vida sem Deus) é promovido não apenas pelas produções, mas pelos próprios profissionais do meio. “Em 1998, uma pesquisa da Universidade do Texas com atores, roteiristas, produtores e executivos de Hollywood revelou que apenas 2% a 3% frequentavam cultos regulares em locais de culto, em contraste com os 41% entre o público geral. Em uma lista das ‘vinte pessoas mais influentes de Hollywood’, encontrei oito pessoas que expressavam claramente suas visões ateístas ou agnósticas, mas nenhuma que expressava opiniões cristãs claras” (Steve Turner, Engolidos Pela Cultura Pop, p. 218).
O ator Brad Pitt, criado em uma igreja batista do Sul, disse certa vez: “Quando me vi livre do conforto da religião, não foi para mim uma perda de fé, mas a descoberta do eu. Eu tinha fé de que era capaz de lidar com qualquer situação. Há paz em entender que tenho apenas uma vida, aqui e agora, e sou responsável por ela” (ibidem, p. 216). E ele não é o único a abandonar a fé para abraçar a carreira.
Detalhe: há mais norte-americanos frequentando a igreja do que a academia, mas os filmes os mostram mais em cozinhas, restaurantes e academias. Esse é claramente um reflexo do estilo de vida do pessoal de Hollywood. Parece até haver um pacto de não mostrar religião, a não ser quando for para reforçar certos estereótipos, como do crente obtuso e fundamentalista. Para ser justo, é bom registrar que padres e pastores até aparecem em filmes, mas, geralmente, apenas em casamentos e enterros.
Quanto ao evolucionismo, basta citar apenas um exemplo: os filmes dos X-Men. Superpoderosos, eles são considerados Homo superior, devido a mutações que os tornaram “melhores” que o Homo sapiens. Além desse pano de fundo darwinista, conforme destaca o pastor e líder de jovens Ericson Danese, “X-Men” é cheio de contextos escatológicos, como leis e decretos, cadastramento de mutantes, perseguição pelos “sentinelas” e títulos como “Complexo de messias”, “Dias de um futuro esquecido” e “A era do Apocalipse”. Seus personagens invertem conceitos bíblicos. Apocalipse (revelação de Jesus Cristo), nos X-Men, é o pior vilão que quer destruir e escravizar.
Um dos personagens mais populares do grupo é o Wolverine. Ele bebe, fuma, mata, bate em quem der vontade e se justifica dizendo que é seu temperamento. É impaciente, arrogante e violento, e seu último filme tem como título “Imortal”, contrariando a afirmação bíblica de que somente Deus tem a imortalidade (1Tm 6:16).
Cinema: o novo templo e seu estilo de vida
Não bastassem os conceitos antibíblicos difundidos pelas produções hollywoodianas (trataremos mais disso adiante), o ato de ir ao cinema encerra, em si mesmo, uma dinâmica que contribui para o afastamento da religião e para a satisfação do desejo inerente de relacionamento com o humano e o sagrado. Note alguns paralelos interessantes:
>> Antes de ir ao cinema, a pessoa se prepara. Coloca boas roupas. Há um verdadeiro ritual.
>> O ingresso, cuja compra contribui para a manutenção do local de exibição de filmes e para a própria indústria do cinema, poderia até mesmo ser comparado ao dízimo que os fieis devolvem a fim de manter as atividades de sua religião.
>> No cinema, assim como na igreja, ocorre uma reunião de pessoas diferentes num mesmo local. Cientistas descobriram que quando realizamos atividades sincronizadas, como recitar cânticos ou até mesmo caminhar lado a lado, acabamos nos sentindo mais conectados com as pessoas com quem estamos realizando essas atividades.
>> No cinema, entramos em contato com ideologias/doutrinas, geralmente de forma mais acrítica, devido a todo o aparato tecnológico que promove quase uma hipnose.
>> Existe manipulação das emoções.
>> Há uma satisfação do desejo de adoração (dos ídolos na tela).
Toda religião prega também um estilo de vida. Não é diferente com o cinema, afinal, como diz o título do livro de Richard Weaver, “as ideias têm consequências”. As ideias disseminadas pela maioria dos filmes de Hollywood levam ao desregramento, ao hedonismo, à intemperança e ao homossexualismo. E exemplos disso não faltam.
Segundo James Sargent, da Faculdade de Medicina de Dartmouth, nos Estados Unidos, a exposição a álcool no cinema foi responsável por 28% do início do consumo entre jovens e 20% da transição para o uso constante. Mais de 60% dos filmes de Hollywood exibem o produto de alguma forma. Atores e atrizes famosos volta e meia aparecem expelindo fumaça e glamourizando o tabagismo.
Além do cigarro e do álcool, o sexo sem compromisso e/ou deturpado também vem sendo glamourizado há um bom tempo nas telas. A responsável pela nova onda de perversão foi a escritora E. L. James, que lucrou 95 milhões de dólares entre junho de 2012 e junho de 2013 com seus livros da série Cinquenta Tons de Cinza. Somente nos EUA, foram vendidas 70 milhões de cópias em apenas oito meses. Para quem não leu e tem interesse numa história recheada de perversões e sadomasoquismo (espero que esse não seja você), vem aí o filme, cujo trailer foi assistido por milhões de pessoas na internet, batendo recordes.
Outros três filmes podem ser mencionados como exemplo dessa perversão cinematográfica: “Sexo sem compromisso”, “Ted” e “A filha do meu melhor amigo”. O título do primeiro é autoexplicativo. O segundo, o deputado Protógenes Queiroz ficou revoltado quando assistiu. Segundo ele, o filme “Ted” – que tem como ator principal um ursinho de pelúcia – passa a mensagem de que “quem consome drogas, não trabalha e não estuda é feliz”. Na semana seguinte ao protesto, “Ted” liderou as bilheterias brasileiras. Cigarro, álcool e alusões a sexo tomam conta da produção. No caso do terceiro filme, basta ler o subtítulo para ter uma ideia da barbaridade: “Sexo, traição e escândalo. Sinta-se em casa.”
Frequentemente, esse é o tipo de conteúdo (em doses homeopáticas ou cavalares) veiculado nas produções hollywoodianas. Quem assiste pode até inicialmente não concordar com os conceitos, mas o fato é que “uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”. Quem disse isso? Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. E olha que eles convenceram quase toda uma nação a apoiar algo absurdo.
Ideias têm consequências – para um povo, para uma família, para a moralidade e/ou espiritualidade de alguém.
Super-heróis: os novos deuses
A nova onda de filmes de super-heróis, favorecida pelos modernos recursos de efeitos especiais, bebeu na fonte dos quadrinhos, e ali a exaltação dos novos deuses já vinha sendo feita há um bom tempo. Na verdade, alguns títulos de histórias em quadrinhos deixam evidente a mistura de conceitos bíblicos em suas tramas. Dois deles: “O Messias”, minissérie do Batman que fez muito sucesso no fim dos anos 1980, e “Kingdom come” (título que lembra o “venha o Teu reino”, da oração do Senhor), outra minissérie arrasa-quarteirão, ilustrada por Alex Ross (falarei dele mais adiante) e publicada em 1996 pela DC Comics. Essa série traz os principais personagens da DC em pinturas magistrais de Ross, que os trata como verdadeiros deuses.
Está ali o Capitão Marvel, cujo grito mágico – “Shazam” – é um acróstico que evoca Salomão, Hércules, Atlas, Zeus, Aquiles e Mercúrio, igualando o rei bíblico a personagens mitológicos. Tem também a amazona Mulher Maravilha. Criada em 1941 pelo psicólogo William Moulton Marston, ela é a embaixadora das amazonas da Ilha Paraíso (Themyscira), e foi enviada ao mundo humano para propagar a paz. Numa graphic novel dedicada a ela e intitulada “O espírito da verdade” (igualmente ilustrada por Ross), Diana reflete: “Heroína, semideusa, soldado, pacifista – eu sou todas essas coisas em parte, mas nenhum delas por inteiro.” O filme dela tem lançamento previsto para 2017.
E, claro, está ali também em “Kingdom come” o maior dos super-heróis: o Superman. Ele foi o primeiro super-herói dos quadrinhos e hoje é considerado um símbolo da cultura americana. O herói foi criado em 1938 pelos judeus Joe Shuster e Jerry Siegel, mas tem uma origem messiânica e inspiração claramente cristã. Numa graphic novel intitulada “Paz na Terra”, o personagem aparece como um verdadeiro messias, tentando acabar com a violência e a fome no mundo. Ele diz: “Pelo menos por hoje eles vão ver que alguém está olhando por eles. Alguém resolveu agir e, juntamente com a comida, trouxe esperança de dias melhores.” Numa das pinturas, em página dupla, o Superman voa com os braços abertos trazendo sobre si um vagão cheio de alimentos. Abaixo se vê o Rio de Janeiro e o Cristo Redentor, também de braços abertos, mas imóvel, impotente...
Esse aspecto messiânico do Superman fica ainda mais evidente quando se analisam alguns detalhes presentes tanto nas histórias em quadrinhos quanto nos filmes do personagem. Kal-El (já começa por El, que é um nome de Deus, em hebraico) é enviado à Terra pelos pais, adotado por um casal humano e inicia seu “ministério” por volta dos 30 anos. Mas tem mais: no filme “Man of Steel”, o pai de Kal-El diz à esposa: “Ele será um deus para eles.” E depois, numa projeção holográfica, diz ao filho: “Você pode salvar todos.” Em seguida, Superman abandona a nave em que estava e se lança no espaço, de braços abertos, tendo o planeta Terra ao fundo. Pensa que as “coincidências” terminam aqui? Nada.
Em 1992, numa grande jogada de marketing para vender gibis, a DC Comics mata o Superman, cujo corpo é amparado por Lois Lane numa cena claramente inspirada na Pietá, de Michelangelo. Mas é claro que Superman (que morreu para salvar o mundo de um poderoso inimigo chamado Apocalypse [!]) não permaneceria morto por muito tempo. No terceiro dia (sim, isso mesmo), ele ressuscita. Em 2006, vai para as telas num filme intitulado “Superman returns”. Realmente não é difícil perceber toda a religiosidade por trás de certos super-heróis. Aliás, o trio mais importante da DC – Superman, Mulher Maravilha e Batman – é chamado de Trindade!
Há também os super-heróis demoníacos. Spawn é um agente da CIA que morre, vai para o inferno, faz um acordo com o diabo e volta cheio de poderes para combater o crime (mais ou menos como o Motoqueiro Fantasma). Até o Homem-Aranha já se envolveu com o demônio. Com sua tia idosa baleada e à beira da morte, Peter Parker resolveu recorrer ao maligno em busca de cura. Após o pacto com Mefisto, toda a “realidade” foi modificada e fatos importantes da vida do Homem-Aranha foram completamente alterados. A tia do Aranha foi salva pelo demônio, mas o casamento de Peter com Mary Jane nunca aconteceu. O diabo é apresentado como tendo poder de mudar toda a realidade. Homem-Aranha também tem sido sucesso no cinema há mais de uma década.
“Watchmen” (2009) é outro filme que fez grande sucesso e é baseado numa graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons, publicada na década de 1980, sendo considerada um clássico dos quadrinhos adultos. A história se passa nos EUA de 1985, durante a Guerra Fria. Mas o que chama a atenção, dentro do propósito deste artigo, é a declaração do diretor do filme, Zack Snyder: “Permanece a ideia do inimigo em comum das duas superpotências que estão na iminência de uma guerra nuclear que acabará com o planeta. E esse inimigo sendo Deus me pareceu uma ideia boa demais pra ignorar. ‘Deus nos traiu’, adoro isso.” Deus é o novo inimigo, os super-heróis são os salvadores da pátria.
E quando se fala em deuses e em amálgama de mitos com crenças, não se pode deixar fora o deus do trovão, Thor, que saiu da mitologia nórdica para as páginas dos quadrinhos da Marvel e de lá, também, para o cinema. Num anúncio do primeiro filme, podia ser lida a chamada: “A god is coming” (um deus está vindo). Mas o mais interessante é a trama: Loki, o deus traiçoeiro, adotado pelo pai dos deuses, Odin, usa de artimanhas e consegue fazer com que Thor, o filho legítimo de Odin, seja expulso do Céu, digo, de Asgard. O deus do trovão tem, então, que provar que é digno de voltar para a cidade dourada. Não parece uma paródia de mau gosto da história bíblica do grande conflito?
Note o que disse o ator Tom Hiddleston, que faz o papel de Loki: “Os filmes de super-heróis oferecem uma mitologia moderna compartilhada e destituída de religião, por meio da qual as verdades podem ser exploradas. Em nossa sociedade cada vez mais secular, com tantos deuses e crenças diferentes, os filmes de super-heróis apresentam um retrato único em que nossas esperanças, nossos sonhos e pesadelos apocalípticos compartilhados podem ser projetados” (os grifos são meus).
No livro Nossos Deuses São Super-Heróis, Christopher Knowles diz que, “quando vê fãs vestidos como seus heróis prediletos em convenções de histórias em quadrinhos, você está testemunhando o mesmo tipo de adoração que havia no antigo mundo pagão, onde os celebrantes se vestiam como o objeto de sua adoração e encenavam seus dramas em festivais e cerimônias” (p. 36).
Para quem ainda duvida da invasão dos super-heróis nas telas e da legião de fãs que eles estão arrebanhando, fique sabendo que já há lançamentos de filmes programados até 2020, numa média de até cinco por ano!
Filmes bíblicos antibíblicos
Além dos deuses de roupa colada e músculos proeminentes, que resolvem tudo na pancada, há também os filmes que se aventuram em temáticas (que deveriam ser) bíblicas. É o caso de “Noé” que, de tão antibíblico, alguns chamaram de “Não é”. Só para você ter uma ideia:
>> “Noé” tem sonhos e alucinações que o levam a construir a arca.
>> O nome de Deus não é pronunciado. É sempre apenas “o criador”.
>> Anjos caídos são criaturas de pedra que ajudam “Noé” a construir a arca.
>> Tubalcaim entra na arca e faz conchavo com Cão.
>> Apenas o primogênito, Sem, leva para a arca a mulher, uma órfã adotada pela família.
>> Cão é um rapazinho e foge dos pais para arranjar uma namorada para entrar com ele na arca. “Noé”, que era contrário à ideia, acabou criando uma rebeldia no filho.
Mas isso tudo ainda não é o pior. No filme, o “espiritual” é bom e elevado: é lá onde mora o deus inefável; e o “material” é ruim e inferior: é aqui, onde os nossos espíritos estão presos em carne material. Resumindo: de bíblico o filme não tem nada. Ele é gnóstico. E segundo essa visão de mundo, “nada é absolutamente mau; nada é maldito para sempre, nem mesmo o arcanjo do mal ou, como ele é chamado às vezes, a fera venenosa. Chegará um tempo em que até ele recuperará o seu nome e a sua natureza angelical”, segundo Adolphe Franck, no livro The Kabbalah.
A serpente é que estava certa o tempo todo. Esse “deus”, “o criador” da matéria, um deus mau, a quem eles adoram, está retendo para si algo que a serpente poderia lhes proporcionar: nada menos que a própria divindade. Por que será que “Noé” traz enrolada no braço a pele de uma serpente? O diretor Darren Aronofsky foi genial: conseguiu levar multidões aos cinemas (incluindo, claro, muitos cristãos) achando que iriam ver um épico bíblico, quando, na verdade, estavam tendo contado com ideologia gnóstica.
Falando em épico bíblico, o que dizer do recém-lançado “Êxodo – deuses e reis”? Apenas uma informação, para não nos estendermos mais aqui: no filme do ateu Ridley Scott, as águas que os hebreus atravessaram recuam devido a um tsunami previsto por “Moisés”! E Scott considera essa versão mais “realista” que a bíblica!
O que dizer de “Deixados para trás”, que ganhou um remake estrelado por Nicolas Cage? Não existe evidência bíblica alguma para a ideia da volta de Jesus invisível, nem para o arrebatamento secreto. Mas quantos dos que assistiram ao filme (ou leram os livros nos quais ele é baseado) sabem disso?
Cage parece gostar desse tipo de filme. Em 2009, foi lançado “Presságio”, também estrelado por ele. Note as curiosidades:
>> No filme, crianças começam a ouvir “línguas estranhas” e passam a agir como “profetas”, prenunciando tragédias em número crescente.
>> O pai de uma dessas crianças, cético e cientista do MIT, descobre uma profecia numérica cifrada e escrita 50 anos antes por outra criança. Quando a decifra, ele começa a crer em tudo, como uma espécie de novo convertido.
>> O personagem de Cage descobre que uma tempestade solar incinerará a Terra e procura salvar o filho.
>> Finalmente, descobre-se que os homens misteriosos que estavam enviando as mensagens aos “profetas” e que davam pistas para salvar essas pessoas são, na verdade, extraterrestres.
>> No momento da ascensão para a nave claramente inspirada no mecanismo de rodas mencionado pelo profeta Ezequiel (Ez 1:15-18), os “anjos” extraterrestres até exibem asas de luz.
>> Os escolhidos – as pessoas que eram capazes de ouvir a “língua estranha” – são arrebatados em naves espaciais. Os demais são deixados para trás.
>> Enquanto bilhões de seres humanos são queimados pelas labaredas solares, uma parte da humanidade aterrissa num planeta idílico e corre com roupas brancas em direção a uma... árvore cintilante! (Ap 22:1, 2).
Para encerrar esta pequena lista, apenas mais um filme catástrofe: “2012”. Um dos objetivos deste parece ser mostrar que a religião é inútil. Senão, veja só:
>> O Cristo Redentor é destruído por um tsunami gigantesco.
>> A cúpula da Basílica de São Pedro, no Vaticano, cai sobre fieis que rezam com velas nas mãos.
>> Uma rachadura no teto da Capela Sistina separa as mãos de Deus e do homem na famosa pintura de Michelangelo.
>> Monges budistas morrem atingidos no alto das montanhas por uma megainundação.
E no fim das contas, uma parcela da humanidade (a parte rica, evidentemente) se salva em enormes embarcações (arcas) de metal. Ou seja, o ser humano é quem salva a si mesmo da destruição “final”.
A religião da Bíblia
Mas, afinal, qual é a religião que Hollywood tem pouco a pouco desconstruído na cabeça de tantas e tantas pessoas? Esta: “Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas” (Cl 3:2). A verdadeira religião do contato permanente com Deus. A religião que ajuda o ser humano a se “religar” ao Divino, ao Criador do Universo. A religião que nos faz ver que esta vida terrena não é tudo o que nos está reservado, e que viver não se resume a nascer, comer, crescer, procriar e morrer. Há muito mais do que isso!
A verdadeira religião nos aconselha a dedicar tempo a “tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, [e] excelente” (Fp 4:8). A desenvolver a “mente de Cristo” (1Co 2:16).
Mas é importante saber que “Satanás tem mil modos de desassossegar a mente. [...] Quanto tempo precioso é mal gasto, e que poderia ser empregado em estudar o Modelo da verdadeira bondade” (Ellen G. White, Mensagens aos Jovens, p. 271). “O amor sincero à verdade e a cuidadosa obediência às instruções do Espírito de Profecia serão nossa única proteção contra os enganos do inimigo, os espíritos sedutores e as doutrinas de demônios” (Testemunhos Seletos, v. 2, p. 69). “As trevas do maligno envolvem os que negligenciam a oração. As sutis tentações do inimigo os incitam ao pecado; e tudo isso por não fazerem uso do privilégio da oração, que Deus lhes conferiu” (Caminho a Cristo, p. 94).
Lembra-se do desenhista Alex Ross, que ajudou a revolucionar as histórias em quadrinhos e contribuiu grandemente para essa nova onda de exaltação dos novos deuses super-heróis? É ele quem diz: “Na adolescência, você precisa ter ordem em seu mundo, e os super-heróis têm isso, um senso de ética que nunca muda. [...] Eles tratam sucintamente com questões morais, de um modo que a religião não trata. Ou melhor, a religião trata, mas de modo muito mais complicado e geralmente confuso” (Chip Kidd e Geoff Spear, Mythology: The DC Comics Art of Alex Ross).
Ross é filho de um pastor protestante. Ao ler essa declaração dele, fiquei pensando no tipo de religião que lhe foi apresentado e no tipo de religião que tenho apresentado aos meus filhos. Se Ross chegou ao ponto de achar que os super-heróis tratam melhor do que a religião as questões relacionadas com moralidade, há algo de muito errado aí. Quem tem moldado a moralidade e a espiritualidade de nossas crianças e nossos adolescentes? Você está atento a isso?
Christopher Knowles faz um diagnóstico triste da situação nos Estados Unidos, que é também a de praticamente todo o mundo: “Nos EUA, a religião parece incapaz de proporcionar um mito viável de salvação nesses tempos de crise. Muitas das denominações tornaram-se pouco mais do que movimentos políticos mal disfarçados, interessados apenas em dinheiro e poder. Por outro lado, nossa cultura popular secular e exangue não tem mais espaço para o encantamento. Não é de surpreender, portanto, que filmes como Harry Potter, Guerra nas Estrelas e X-Men tenham aparecido para ocupar essa lacuna. Os super-heróis proporcionam uma fuga, mas de quê e para onde? Da mediocridade entorpecente da maior parte da vida moderna. [...] O mesmo impulso movimenta a crescente popularidade do Halloween entre adultos. As pessoas querem entrar no mundo mítico e tornarem-se outra pessoa, tentando se esquecer de seus problemas cotidianos” (Nossos Deuses São Super-Heróis, p. 238).
Precisamos encantar nossos filhos com o verdadeiro cristianismo, mas, para isso, devemos, antes, vivê-lo no dia a dia. Eles precisam contemplar em nós o resultado da íntima comunhão com Deus; o poder transformador do evangelho. Precisamos apresentar a eles o Cristo vivo que enche a vida de sentido, de paz, de alegria. Assim nossas crianças jamais serão tentadas a se voltar para os deuses de mentira em busca de algo que está tão perto delas.
Michelson Borges é jornalista, mestre em teologia e editor da revista Vida e Saúde