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Quem vai aceitar o convite? |
Um homem observa a janela
Seu olhar ali pode repousar;
Ou, se preferir, passar através dela
E daí o céu espiar.
(George Herbert, O Elixir)
Sou naturalmente atraído para a transcendência. Ela me chama, convocando-me para alguma espécie de descoberta além dos sentidos comuns e dos restritos instrumentos da pesquisa humana. Tal qual um grande ímã, puxa-me com força irresistível para o lado de fora da limitada realidade conhecida. Classifico-me como um homem metafísico. Sou atraído para “o céu espiar”.
Nietzsche, crítico por excelência de toda e qualquer metafísica, era um imanentista radical que assumia visceralmente a temporalidade, a finitude e a contingência, sendo o grande defensor do finito, do mundano e do presente. Seu esforço voltou-se para a supressão do mundo transcendente e para a afirmação incondicional do aqui e do agora apregoada por meio do “eterno retorno do mesmo”. Já David Hume, arguto pensador, acreditava ser a metafísica uma “roupagem para a superstição”. Concordando com o filósofo do martelo e com o empirista Hume, o poeta português Fernando Pessoa, nas suas “Ficções do interlúdio”, revela-nos também certo horror à metafísica.
“Há metafísica bastante em não pensar em nada [...] / O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério! / O único mistério é haver quem pense no mistério. [...] / Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? / A de serem verdes e copadas e de terem ramos / E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, / A nós, que não sabemos dar por elas. / Mas que melhor metafísica que a delas, / Que é a de não saber para que vivem / Nem saber que o não sabem? / ‘Constituição íntima das coisas’... / ‘Sentido íntimo do Universo’... / Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. / É incrível que se possa pensar em coisas dessas. / O único sentido íntimo das coisas / É elas não terem sentido íntimo nenhum. / Não acredito em Deus porque nunca o vi. / Se ele quisesse que eu acreditasse nele, / Sem dúvida que viria falar comigo / e entraria pela minha porta dentro / Dizendo-me, Aqui estou!
Todavia, contrariando Nietzsche, Hume e Fernando Pessoa, o apóstolo Paulo recomendava: ‘Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra’ (Cl 3:2). Aparentemente a declaração paulina implica certa oposição entre céu e terra. Só aparentemente. A nosso ver, pensar ‘no alto’ não significa parar de pensar ‘na terra’ ou desprezar as realidades do mundo sensível e contingente. O apóstolo parece sugerir que comecemos a refletir de cima para baixo, do plano mais elevado em direção ao solo da imanência, numa relação equilibrada entre o eterno e o temporal, a fim de que o eterno afete o temporal.”
Qual a importância de se pensar metafisicamente? Que proveito há para o nosso mundo pragmático correr em busca do sentido último das coisas? Vale a pena angustiar as pessoas com a pergunta “por que existe algo ao invés de nada?”, estimulando-as a procurar respostas para um questionamento considerado irrespondível por vários pensadores? Talvez só alguns filósofos, raros psicólogos e os religiosos mais inquisidores trarão essa questão para a centralidade de suas reflexões. Muitos, tais qual o cientista materialista Peter Atkins, não se afligem com indagações desse tipo, pois, no seu entender, “a questão do ‘por que’ é apenas uma questão tola”. Sendo um naturalista radical, Atkins crê que “toda explicação do mundo precisa vir de dentro do mundo, porque o mundo é tudo o que existe”. Isso equivale ao que Gramsci chamou de “a terrestrialização absoluta do pensamento”: a humanidade está retida numa redoma, não podendo conceber nada além da existência factível. Na cosmovisão naturalista, perguntas com “porquês” são indignas de resposta, não fazem sentido. Entretanto, que questão “tola”, mas tão persistente, é essa da qual ainda não desistimos? Fugir dela não seria correr para longe da própria vida? Esquecê-la não é perder-se no tempo e na História? Tratá-la de forma fútil ou superficial não significa a amputação do lado mais nobre e maravilhoso do Real? Desprezá-la ou torná-la secundária não é o indício de uma profunda crise epistêmico-existencial? Por que não retomar a questão para que ela nos desafie e incomode?
Conforme a abordagem do filósofo Kerry Walters, “o mundo apresenta-se diante de nós para ser racionalmente analisado, entendido e manipulado. Entretanto, em outro nível, o mundo revela-se para nós de maneiras que resistem à análise, mas estão mesmo assim carregadas de significado. O filósofo Gabriel Marcel descreveu essa dualidade de sentido como “problemática”, por um lado, e “misteriosa”, por outro.
O mundo traz, assim, dois tipos de categorias com as quais temos de lidar: o “problema” e o “mistério”. Sobre ambos, Kerry Walters esclarece: “Solucionar problemas [...] exige que assediemos o problema proposto até vencer sua perplexidade e transformá-lo em fórmula, operação ou invenção aproveitável. Em um mundo que valoriza cada vez mais técnicas que tragam resultados – em especial as associadas à ciência, tecnologia e negócios -, há o risco de reduzir toda a experiência humana à problemática. A redução é arriscada porque há uma dimensão da experiência humana fundamentalmente diferente da problemática, diz Marcel, e é importante respeitar sua integridade. É o domínio do mistério. [...] Quando confrontado pelo mistério, nem o conteúdo das técnicas nem o espírito competitivo, que funciona bem quando aplicado a problemas, são apropriados. O mistério não é um problema que pode ser atacado e dominado. [...] Um problema pode ser solucionado. Mas um mistério só pode ser experimentado. [...] A imersão no misterioso não gera o tipo de respostas geradas pela solução de problemas.
Feitas as considerações acima, de que forma o homem contemporâneo, muito envolvido com o “problema” da existência, tem encarado a outra face da vida: o “mistério”? Aceitando-o, eliminando-o ou aprisionando-o na teia na imanência?
Percebe-se que existe no pensamento atual a tentativa de se naturalizar o mistério, ou seja, prender a transcendência na imanência. Tal esforço reflete a crença de que para além da natureza não existe mais nada: filosofia muito em voga entre os adeptos da não crença, especialmente entre os assim chamados “ateus suaves”, que reconhecem o valor social e cultural da religião, mas descartam qualquer sentido sobrenatural intrínseco a ela. Para os tais, o sentimento religioso faz parte da natureza humana, porém procede do próprio homem e não de um suposto Deus capaz de Se autorrevelar. Dessa forma, as “experiências de pico” ou a espiritualidade dos “naturalistas religiosos” possuem características diferenciadas das experiências teístas: elas não se dirigem a um “quem”, mas a um “quê” - o mundo em si, o universo que aí está. O mistério seria apenas o senso de admiração e espanto diante da grandiosidade da realidade observável, um maravilhamento causado pela “imanensidão” (termo criado pelo poeta Jules Laforgue, do século 19, tomado emprestado pelo filósofo Andre Comte-Sponville). Nesse sentido, o físico Chet Raymo afirma: “Todo o aspecto do mundo natural [é] a manifestação ‘visível’ de uma ‘essência interior’ que é profunda e misteriosa além da minha compreensão. [...] Continuarei a rezar, se por oração você entende que eu quero dizer atenção para o mundo.”
Essa experiência mística ateia, ou transcendência intramundana, advinda da “magia da realidade”, constitui uma vivência extática sem qualquer elemento teológico ou sobrenatural. Em suma, um expediente que procura transformar o mistério em problema. Logo, não há a negação do mistério, mas existe a tentativa de separá-lo de qualquer transcendência, retendo-o no mundo. Dessa maneira, como resultado da crise metafísica na contemporaneidade, as espiritualidades não religiosas estão na moda, sem compromisso com doutrinas ou teologias tradicionais. O resultado bem peculiar desse tipo de “transcendência” vê-se na negação de qualquer teleologia ou propósito salvífico, individual ou cósmico, como declarou o filósofo britânico John Gray: “Não há salvação da espécie humana, mas nenhuma salvação é necessária.” Em seu pensamento, “a maior fronteira para a humanidade é a ilusão da teleologia, a crença de que haveria um propósito na vida e que este seria descoberto por meio do conhecimento e da revelação. Por causa dessa ‘ilusão’, a humanidade tem se torturado e angustiado e destruído ao longo da história”. A proposta de Gray é a de um “misticismo sem deus” ou “uma atitude contemplativa frente à vida, que nos permita agradecer o que surgisse em nossas histórias”.
Pela linha filosófica de Merleau-Ponty, “consciência metafísica não tem outros objetos que a experiência quotidiana, o mundo, os outros, a história humana, a verdade, a cultura. Todavia, em vez de considerá-los já existentes, consequências sem premissas, e como se procedessem de si mesmos, ela redescobre a sua estranheza, a sua “misteriosidade”, que não deixa de ser o milagre do seu manifestar-se. Assim entendida, a metafísica é a esfera que contraria o sistema. Pois, se um sistema é uma disposição ordenada de conceitos que torna imediatamente conciliáveis, compatíveis entre si, os aspectos da experiência, ele, de modo subjacente, suprime a consciência metafísica.
Pensando bem, é necessário encontrar a chave que abre as celas da prisão do sistema imanentista se se quiser dar o salto do sensível para o suprassensível, do racional em direção ao suprarracional. O primeiro passo, então, seria começar a priorizar o pensamento nas coisas do alto, apresentando uma defesa da metafísica teísta.
Perdemos altura, largura e profundidade em nosso ser quando nos contentamos somente com a imanência, pois, em si mesma, ela é incompleta, limitada e insatisfatória, impedindo-nos de contemplar o que existe “lá fora”. As pessoas radicalmente imanentes assemelham-se às árvores de Fernando Pessoa – seres errantes neste mundo, que não sabem para que vivem nem sabem que não sabem: meros seres acidentais. Daí, toda rebeldia metafísica é uma prisão existencial. Para o teólogo Clodovis Boff, na gaiola do imanentismo “o mundo é sem fundamento e sem destino. É a concepção do mundo destituído de um absoluto que possa fundá-lo, sustentá-lo e consumá-lo. Tudo seria contingente, relativo, devir puro. Aqui não se percebe a ‘suspensão’ das coisas num Poder transcendente. Não se intui a ‘sustentação’ das coisas sobre um Fundamento originário. Veem-se ‘fatos’, mas não o ‘Fator’, isto é, quem os fez. Observam-se ‘dados’, mas não o ‘Dador’, ou seja, quem os deu. É como quem vê a água, mas não pensa na fonte; contempla a claridade, sem perceber a luz; olha o fruto e não nota a árvore.”
Esse “sufocamento racionalista de nossa cultura gera espaços e deixa descuidadas carências com o que a religião é substituída por pseudorreligiões, esoterismos e emocionalismos. As atuais explicações científicas do mundo deixam sem a devida atenção as necessidades de ordem e sentido do ser humano que tem de localizar-se no cosmo”, complementa o filósofo Juan Antonio Estrada.
Perder a consciência metafísica, abafando-a debaixo do mundo contingente e seus sistemas, significa: permanecer no interior da caverna platônica, recusar-se a chegar ao topo da montanha, existir em um monótono devir. Porque é sufocante viver sem a beleza daquele mistério que ultrapassa a razão, enlarguecendo-a, e aprofunda a existência. Assim, os desdobramentos radicais da imanência tais quais o ateísmo (na sua versão radical ou na mais recente “espiritualidade ateísta” que celebra o mundo natural e seus mistérios sem se importar com o Criador), o existencialismo, o neoestoicismo e o novo hedonismo, o humanismo, o cientificismo e outras filosofias assemelhadas - caminhos existenciais a ser percorridos pelo antimetafísico - nunca satisfizeram plenamente o intelecto e o coração humanos. Adotá-los na teoria e na prática significa a morte do sentido. Arremata Juan Estrada:
“As religiões potenciam a ânsia de Deus e alentam a buscá-lo, querem manter aberta a pergunta e que esta transcenda as ocupações imanentes. Recusam, portanto, um universo fechado, que se desentende das perguntas pelo todo ou as declara absurdas para concentrar-se no concreto e no imediato. Por isso, a dimensão transcendente, que encontra final na experiência da oração, no culto e na mística constitui um colofão essencial para a religião. Exatamente por recusar o sentido imanente da totalidade e buscar uma fundamentação transcendente, torna-se possível criticar as cosmovisões intra-históricas que afirmam o sentido da história e utopias que oferecem plenitude de significado a partir de meras construções humanas.”
O sistema imanentista causou uma espécie de surdez profunda no mundo, sobretudo nos círculos intelectuais. Apesar disso, o sistema não conseguiu o silenciamento completo da Voz da transcendência. Ela algumas vezes sussurra para nós; noutras, faz-se ouvir com altos brados por meio de nossas experiências. À semelhança do menino Samuel (1Sm 3:2-9), enquanto dormimos como crianças na noite deste mundo, existe a possibilidade de a consciência ser despertada pela “voz do além”. Discerni-la é sinal de sensibilidade. Responder a ela, no entanto, requer do ouvinte uma atitude prática que se traduza em submissão e obediência voluntárias: “Fala, porque o Teu servo ouve!” Nesse diálogo misterioso, a possibilidade da escuta e da fala enriquece a experiência existencial do homem.
Quando me refiro à metafísica, não posso olvidar o Deus pessoal do teísmo cristão, o qual Se diferencia nitidamente de uma mera ideia ou pensamento abstrato. NEle a transcendência se corporifica e se pessoaliza, tornando-se histórica e invadindo o tempo. Por toda a Bíblia – o manual da metafísica cristã -, mediante certos imperativos, Deus faz apelos ao ser humano: “Vem!”, “Sai!”, “Marcha!” Tais ordens, traduzidas em conselhos ou convites, constituem o chamado divino a fim de que o homem ultrapasse os limites de sua finita esfera de atuação para uma amplitude de vida superior. Vemos tal realidade concretizada, por exemplo, na saída de Abraão da Mesopotâmia, no episódio sobrenatural do êxodo do povo de Israel, no fim do exílio babilônico com o retorno dos judeus para Jerusalém ou mesmo no convite de Cristo feito a todo ser humano: “Vinde a Mim” (Mt 11:28). Indivíduos ou grupos são chamados para colocar os pés sobre nova e firme plataforma de vida, culminando no encontro com o Divino. São convocados a “atravessar a porta”, a dar o salto metafísico - algo comparado a um novo nascimento ou uma ressurreição.
“Vem para fora!”
Para a humanidade, a morte é impenetrável mistério e forte barreira. Mesmo dispondo de todos os recursos científicos, não conseguimos superá-la nem vencê-la. Continuamos um bando de derrotados aguardando a hora de “entregar os pontos”. O mencionado poeta Fernando Pessoa, na sua perspectiva pessimista, arremata o triste fato: “O homem é um cadáver adiado”; o fim, então, uma questão de tempo.
Por que a morte persegue a vida, colocando-lhe um ponto final? Por que o mal? Não seria o caso de ambos terem sua origem na deliberada ruptura do mundo com o Transcendente? O episódio bíblico da ressurreição de Lázaro, em que Jesus Cristo (Deus encarnado, na fé cristã) adentra o tempo e a história, faz-nos refletir. O relato, exposto no capítulo 11 do Evangelho de João, traz uma tremenda manifestação de transcendência evidenciada de forma notável e pública.
Lázaro havia sido vítima de enfermidade fatal. Sob dolorosíssimo pranto daqueles que o amavam, foi sepultado. O próprio Jesus Cristo, que declarara “Eu sou a ressurreição e a vida”, derramou lágrimas diante da sepultura de um de Seus mais queridos amigos – choro divino que ia além da tristeza humana: “Pesava sobre Ele a dor dos séculos”, expressou sensível escritora. Contudo, em meio à curiosidade de alguns e consternação e acabrunhamento de outros - amigos e inimigos Seus que testemunhariam aquela cena memorável -, pairava a expectativa: O que Ele fará? Afirma o texto escriturístico: “Jesus, pois, movendo-Se outra vez muito em Si mesmo, veio ao sepulcro; e era uma caverna, e tinha uma pedra posta sobre ela. Disse Jesus: Tirai a pedra” (Jo 11:38,39). Tais palavras são significativas nesta era pós-moderna de incredulidade, dúvida, morte, tédio e dissolução de metanarrativas.
A crise de sentido e fé, gerada pelo afastamento voluntário (emocional e intelectual) da criatura em relação ao Criador, trouxe ao homem contemporâneo grave enfermidade em seu ser, bastante perceptível nos sintomas doentios vistos nas sociedades modernas. Com a transvaloração dos valores, sobreveio uma enxurrada de violência, corrupção, imoralidade e relativismo quase absoluto. Estamos morrendo. Ainda assim, à sua maneira, o homem luta por “um mundo melhor”, apenas para testemunhar o próprio fracasso em estabelecer o progresso sobre a Terra. Nem a ciência nem a técnica, tampouco a ética derivada do racionalismo ou os sistemas políticos mais democráticos e liberais, conseguiram erguer ou transformar a humanidade, a qual se vê num beco sem saída. O homem consciencioso e não anestesiado por ilusões vislumbra agora o seu desaparecimento no horizonte da história. Percebe a extinção dos seus sonhos e esperanças. Prevê a aproximação de seu epílogo existencial quando, à semelhança de Lázaro, será posto num sepulcro selado para se deteriorar e se desfazer completamente no pó. Infelizmente, esta é a certeza de todos nós ilustrada pela declaração do filósofo Schopenhauer, que via na morte a musa da filosofia: “Parecemo-nos com carneiros a brincar na relva, enquanto o açougueiro, com os olhos, está a escolher alguns entre eles; pois nestes bons tempos não sabemos que infelicidade precisamente agora o destino está nos preparando: doença, perseguição, empobrecimento, mutilação, cegueira, loucura, morte, etc.” Noutras palavras, “o homem é uma sombra feita de átomos. O ser humano não passa de mais um recurso mineral”. Para esse triste quadro não haveria uma boa notícia trazida de fora?
Jesus moveu-Se e veio ao sepulcro. No pensamento filosófico ocidental, prevalece a ideia da “morte de Deus”. Em A gaia ciência, Nietzsche pretendeu trazer uma trágica convicção aos seres humanos que ainda se apegavam a qualquer tipo de metafísica, sobretudo a cristã: “Deus está morto, mas tal e como é a espécie humana, possivelmente haverá durante milênios grutas em que se mostre sua sombra. E nós... nós devemos ainda vencer sobre sua sombra.” É verdade: a “sombra de Deus” persiste em ficar conosco. Todavia, ela não se acha retida em grutas (igrejas?), mas se move por cima do mundo que procura afugentá-la, querendo propiciar frescor e proteção contra o escaldante calor de nossa árida situação. Encontra-se viva, operando dentro de nossa realidade morta.
Como sentir Deus em um mundo morto? O homem, de si mesmo, não é capaz de ir ao encontro do Transcendente, apesar de tentar com sua lógica ineficiente e suas pesquisas ineficazes. Por meio de caminhos equivocados, tateia na escuridão. É Deus quem Se move na direção do “sepulcro”, Ele é a Luz incidente sobre a entrada da caverna.
“Tirai a pedra.” O que impede a transcendência de entrar na experiência humana? A “pedra no caminho”. Torna-se necessário, portanto, rolar a pedra para que o salto qualitativo seja dado, sem impedimentos ou obstáculos. Então, e só então, a Voz será ouvida e o homem sairá do sepulcro para nova e ressurreta realidade. Neste primeiro convite de Cristo, há um apelo à vontade humana, não uma coerção ou ordem forçada. O homem, sob a sugestão de Deus, precisa agir. Se a pesada pedra - que bem pode ser uma metáfora da vontade do homem em permanecer preso e morto no seu sistema - não for afastada, a ordem divina (agora, sim, uma manifestação de poder) jamais acontecerá.
O filósofo Gabriel Marcel acentuou: “Toda fé autêntica está enraizada no ser e no mistério. O indivíduo só se realiza quando reafirma a transcendência de Deus e sua própria condição de criatura de Deus. A fé se converte então no ato ontológico mais significativo.” Se é assim, que a pedra posta na entrada da mente e do coração seja afastada! Bem perto, há Alguém olhando para os sepulcros humanos, pronto a dizer com autoridade: “Vem para fora!” Quem sairá do “sepulcro” ao chamado de Deus?
(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)