Na mesma edição em que, na página 37, há uma crítica sutil aos pastores Samuel Ferreira e R. R. Soares por terem conseguido passaporte diplomático para “representar o Brasil no exterior” (e não estou dizendo que esses indivíduos não mereçam críticas), Veja publica a matéria de capa “A luta contra o câncer” (nove páginas), contando a história do restabelecimento da saúde do médium João de Deus. Na “Carta ao Leitor” (editorial, página 12) já se pode ver o tom de apologia ao curandeiro espírita que, segundo a revista, também representa (nesse caso, bem) o País no exterior: a repórter, que aguardou meses para poder fazer a matéria, está abraçada ao médium na foto, e o texto diz, sem questionar, que ela teve o anel “energizado” por ele. Tenho certeza de que, se a reportagem fosse sobre um pastor evangélico ou mesmo sobre um criacionista, o tom seria outro, afinal, há muitos exemplos dessa natureza em edições passadas da mesma revista. Parcialidade evidente em um veículo jornalístico que deveria se pautar por um mínimo de imparcialidade.
João de Deus enfrentou um câncer agressivo no estômago e, em busca da cura, procurou os melhores médicos do famoso Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, embora se afirme que ele cure milhões de pessoas que o procuram em seu centro espírita em Abadiânia, GO. Em lugar de questionar esse aparente paradoxo, Veja simplesmente aceitou a explicação do médium: “O barbeiro corta o próprio cabelo?” A reportagem não deixa de mencionar o fato de que João de Deus teve várias esposas e que cobra 50 reais por uma caixa de “remédio” feito à base de flor-de-maracujá, mas enaltece o fato de as “consultas” e os “passes” serem gratuitos – e isso é possível porque João de Deus, além de médium, é dono de garimpo e de propriedades rurais. Dinheiro, para ele, não é problema.
O que mais me chama a atenção na reportagem é seu tom fideísta e apologético. O texto menciona temas como “curas espirituais”, “incorporação de espíritos”, “energização”, “passes” e outros como algo real, sem questionar ou mesmo relativizar. A mesma revista, quando aborda assuntos bem mais factuais, como o design inteligente da vida, o dilúvio, a criação divina, a historicidade da Bíblia e outros, o faz em tom de dúvida e até ironia.
João de Deus é, sim, uma figura pública. Sua luta contra o câncer é, sim, admirável e tocante. Mas o assunto merecer todo esse destaque, na capa da maior semanal de informação do Brasil, quando estão ocorrendo tantos outros assuntos muito mais relevantes e abrangentes do ponto de vista jornalístico, simplesmente causa estranheza e revela posturas e linhas editoriais bem claras.
Só para mencionar mais um exemplo, quando o ator Reinaldo Gianecchini também enfrentou o câncer, Veja deu capa para o assunto (confira aí ao lado) e, mais uma vez, enalteceu o “tratamento espiritual” a que ele se submeteu, praticamente igualando esse tipo de “tratamento” à medicina convencional.
O fato é que essas e outras divulgações gratuitas do espiritismo e da crença na vida após/durante a morte obedecem a uma agenda que extrapola o mero jornalismo. Há muito mais coisas envolvidas nisso. Se duvida, assista ao vídeo abaixo. E se quiser saber o que a Bíblia ensina sobre a morte, clique aqui.
Michelson Borges